Emissão Zero, Carbono Neutro, Climaticamente Positivo ou Carbono-Negativo? 6 perguntas para entender o movimento global
A corrida começou: com anúncios quase diários de iniciativas de redução de carbono da UE, de outras potências mundiais e, mais importante, de mais de 1.000 empresas em todo o mundo (incluindo 25% da lista Fortune 500), há um forte movimento de organizações assumindo compromissos climáticos para cumprir a meta global de 1,5°C.
Embora diversas empresas tenham assumido esses compromissos, ainda existem muitas discussões sobre o que é exatamente a emissão líquida zero (ou emissão zero), e, talvez mais importante, o que não é. As declarações de emissões zero, neutro em carbono, climaticamente positivo e carbono-negativo carecem de definições claras e amplamente aceitas. As iniciativas variam de acordo com o que a empresa vende, possui ou influencia - e o que de fato ela está trabalhando para reduzir. A taxa de redução de emissões associada às reivindicações de neutralidade nem sempre é clara, nem as maneiras pelas quais as emissões restantes podem ser reduzidas. Além disso, empresas como a Ikea agora entram na zona do climaticamente positivo (ou seria carbono-negativo?), se comprometendo a remover mais dióxido de carbono da atmosfera do que emitem. Então, qual é o consenso?
Infelizmente, essa pergunta ainda não tem uma resposta definitiva clara. Os especialistas estão em discussões contínuas para estabelecer um padrão global esperado para o verão de 2020. Contudo, aqui estão algumas perguntas que as empresas podem usar como um check-list para entender as declarações dos concorrentes e para planejar suas próprias:
1. O que 'valor líquido zero' significa para o nosso planeta?
De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais requer que as emissões antropogênicas líquidas globais de gases de efeito estufa (GEE) cheguem a um valor líquido zero por volta de 2050. Isto é, nenhuma emissão adicional deve ser lançada na atmosfera. A maioria dos cenários utilizados para essa trajetória inclui a Remoção de Dióxido de Carbono (CDR, na sigla em inglês), citando atividades que removem as emissões da atmosfera por meios como sequestro de carbono ou florestamento. A trajetória de valor líquido zero é o resultado do equilíbrio entre a diminuição das emissões por descarbonização (-), remoção de carbono (-) e emissões de carbono remanescentes (+) que provavelmente ocorrerão mesmo após 2050 em alguns locais e processos.
2. Qual a diferença entre neutralidade de carbono e climática?
Neutralidade de carbono, emissões líquidas zero e neutralidade climática são frequentemente usados como sinônimos, significando uma neutralização do impacto da atividade humana no sistema climático. No entanto, para a ciência, o escopo da neutralização sobre as forças climáticas varia, pois existem outros gases de efeito estufa (GEEs) que contribuem para as mudanças climáticas além do CO2. As definições do SR15 do IPCC podem ajudar a distinguir entre os conceitos de neutro em carbono, climaticamente neutro e emissões líquidas zero. De acordo com o Protocolo de Kyoto da UNFCCC, os GEEs relevantes atualmente são: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hidrofluorocarbonetos (HFCs), perfluorocarbonos (PFCs), hexafluoreto de enxofre (SF6) e trifluoreto de nitrogênio (NF3).
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3. E quanto ao escopo das emissões?
Uma consideração crucial em qualquer declaração de carbono / clima neutro ou emissão líquida zero é qual o escopo das emissões que as ações da empresa de fato cobrem. As emissões são divididas em Escopo 1, Escopo 2 e Escopo 3. As emissões do Escopo 1 são aquelas sob controle direto da organização, como o consumo local de combustível ou fontes de emissões atmosféricas. As do Escopo 2 são geradas indiretamente através do consumo de eletricidade comprada. E o Escopo 3 são todas as outras emissões indiretas, incluindo aquelas geradas por viagens de negócios, gerenciamento de resíduos e emissões ao longo de toda a cadeia produtiva.
Cada escopo de emissão deve ser tratado de forma diferente. Por exemplo: como uma ferramenta de redução de emissões, a energia renovável normalmente só pode ser usada para tratar das emissões do Escopo 2, em uma proporção de 1:1. Já as emissões de Escopo 1 e Escopo 3 podem ser geridas com várias medidas, incluindo práticas de eficiência energética, reduções de consumo, compensação de carbono, circularidade, substituição de combustível / biocombustíveis, compra de veículos elétricos, tecnologias inovadoras, engajamento da cadeia produtiva e outras mais.
Existem exemplos de como esses escopos se aplicam na prática: o Grupo BT, Bosch, Novartis e LG são algumas das muitas organizações que declaram neutralidade de carbono para suas próprias operações, principalmente tratando as emissões do Escopo 1 e 2, dada a dificuldade de gerenciar as emissões do Escopo 3. Metas ainda mais específicas, como 'frete neutro em carbono', 'crescimento neutro em carbono' ou fronteiras geográficas, dão ainda mais complexidade a essa discussão.
Muitos especialistas concordam que o estado da arte para a credibilidade em relação ao carbono são as metas baseadas na ciência (SBTs) e, portanto, qualquer iniciativa que reivindique neutralidade deve incluir as emissões do Escopo 3, ainda que num plano de ação híbrido.
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4. Qual é o horizonte de tempo adequado?
As trajetórias do IPCC que limitam o aquecimento a 1,5°C exigem que as emissões globais líquidas sejam zeradas até no máximo 2050. Contudo, isso não é especificado como um declínio linear, nem terá o mesmo ritmo para todas as organizações em todos os lugares. Na verdade, muitas organizações definiram sua meta de emissões líquidas zero para 2030 ou até antes, agindo como líderes pioneiros e estimulando a ação de seus concorrentes. A Microsoft deu um passo à frente com seu recente anúncio de se tornar carbono-negativa ao se comprometer a retirar todo o carbono que a empresa emitiu, seja diretamente ou por consumo elétrico, desde que foi fundada em 1975, até 2050. Em teoria, o que adicionamos ao estoque global de carbono também pode ser retirado - mas até agora nenhuma tecnologia de remoção foi implantada em escala. Esses sonhos de longo prazo não devem impedir as atividades de curto prazo necessárias como a definição de metas e descarbonização.
5. E quanto às compensações?
As compensações de carbono podem ser um componente valioso para a estratégia de neutralidade de carbono de uma empresa, especialmente porque existem poucas outras (se é que existem) soluções disponíveis atualmente. Uma compensação de carbono (também conhecida como Redução Verificada de Emissões ou RVE) é a redução de uma quantidade específica de emissões de gases de efeito estufa resultante de uma ação de compensação para destruir, remover ou impedir que o carbono entre na atmosfera. Normalmente, esses projetos incluem sequestro de carbono ou florestamento, e frequentemente oferecem outros benefícios, como incentivo econômico ou melhorias para a saúde humana. As compensações de carbono podem ser feitas com fontes de altíssima qualidade, geralmente significam adicionalidade e são registradas e geridas por importantes instituições no mundo todo.
No entanto, a prática de compensação de carbono permanece controversa. Equilibrar as emissões com a remoção atmosférica faz parte das trajetórias mais importantes traçadas pelo IPCC, como complemento à descarbonização profunda. Mas os impactos das opções de remoção de carbono dependem do tipo de projeto escolhido e da escala de implantação. Por exemplo, trajetórias que dependem de medidas relacionadas ao uso da terra em larga escala, como florestamento e produção de bioenergia, podem competir com a produção de alimentos, portanto, aumentar as preocupações com a segurança alimentar. Há também a preocupação de que as empresas passarão a depender das compensações e se esquivem das ações necessárias para reduzir as emissões dos Escopos 1 e 3 de outras maneiras. Por isso, atualmente as compensações não são reconhecidas pela Iniciativa Science-Based Targets como uma tecnologia de redução de carbono adequada.
Existem precedentes tanto do questionamento de commodities ambientais, como de que elas possam dar um sinal de demanda de mercado importante. Historicamente, os certificados de energias renováveis (RECs) foram criticados por razões semelhantes. Apesar disso, eles prepararam o terreno para o aumento exponencial da compra corporativa de energia renovável. Hoje, os RECs são um mecanismo reconhecido para o rastreamento e comercialização de energia renovável em todo o mundo. As compensações de alta qualidade podem ter o mesmo efeito, especialmente considerando a escassez de tecnologias eficazes para a redução de carbono em segmentos como o transporte aéreo e marítimo.
Hoje, a maioria das empresas que definem metas de neutralidade usa uma abordagem híbrida, que inclui certo grau de descarbonização e outras abordagens de mitigação, como compensações. No entanto, nem todos os créditos de carbono são eficazes para neutralizar os impactos climáticos. O papel das compensações na estratégia empresarial deve ser ponderado, e não escolhido em detrimento de uma profunda descarbonização das atividades da empresa.
6. O próximo objetivo deve ser climaticamente positivo ou carbono-negativo?
Uma curiosidade nesta última pergunta: qual é a diferença entre a meta de carbono-positivo da Unilever e a meta de carbono-negativo da Microsoft? É provavelmente apenas uma questão de escolha de palavras, já que ambas significam ir além de se tornarem neutras em carbono. Do ponto de vista lógico, climaticamente positivo significaria não apenas atingir emissões líquidas de carbono zero, mas de fato gerar um benefício ambiental ao remover dióxido de carbono adicional da atmosfera. Mas a meta carbono-positiva também é amplamente usada por organizações que descrevem o objetivo dessa mesma forma. É de fato confuso, mas, no final das contas, é uma pergunta que deve ser respondida para que a validade dessas afirmações seja preservada.
Quando as empresas analisam seus compromissos e declarações sobre neutralidade de carbono, é fundamental que elas não incorram num greenwashing (ou banho verde). É tentador entrar de cabeça na neutralidade de carbono, mas as empresas devem entender quais escopos de emissão estão tratando e como, antes adotarem um desses rótulos frequentemente incompreendidos.